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Helio Tinoco

Educadora sofre preconceito na casa de leis do Mato Grosso do Sul

O parlamento, que é um lugar onde representantes do povo ocupam cadeiras após serem eleitos pelo povo, para que ali em assembleia decidam não apenas criar leis, mas trabalhar em busca da manutenção, principalmente, da cidadania e da ordem social, foi recentemente palco de uma atitude preconceituosa em Campo Grande–MS, por parte de um de seus membros. 

   O deputado João Henrique Catan (PL), durante uma sessão na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul (ALEMS), usou de preconceito ao tratar e se referir a uma professora trans, que atua na rede pública de ensino. A atitude do deputado ocorreu após ele ter acesso a um vídeo, onde a educadora, Emy Santos (formada em licenciatura em artes cênicas), se apresentava para seus alunos, durante um evento na escola, fantasiada da personagem Barbie.  Em desrespeito à profissional, o parlamentar usou o pronome masculino ao se referir a uma mulher, chamando-a de homenzarrão, entre outras coisas, numa acusação à jovem de que ela estaria querendo levar para estudantes do primeiro ao quinto ano, da disciplina artes, a ideia de que o professor precisa ter “tetas”, numa fala desrespeitosa a uma cidadã e uma profissional.  

  A atitude do parlamentar gerou polêmica entre os pares, que se opuseram ao comportamento do colega de legislatura. O caso saiu do legislativo estadual e causou reação negativa inclusive entre os vereadores da cidade.

   Ao ser procurada pela reportagem, a professora Emy conta que, desde que se formou em artes cênicas e conseguiu ser aprovada num processo seletivo da rede municipal de ensino, tem enfrentado dificuldades por parte de educadores e nunca teve conflitos com os alunos e seus familiares, mas que sofreu perseguição no trabalho. “Tenho enfrentado diversas barreiras, institucionais, inclusive, de relações interpessoais dentro das escolas, por parte da equipe pedagógica e falta de entendimento e preconceito das professoras.  Eu nunca tive embate direto com o pai ou com a mãe, ou com crianças, relacionados à minha identidade de gênero, mas tive muitos embates, inclusive fui perseguida por uma professora ano passado na escola onde eu ministrava aula, me desrespeitando e desrespeitando meu trabalho”.

  Diante do preconceito constante, não só a educadora que sofre, mas toda pessoa pertencente à comunidade LGBTQIA+, faz com que elas estejam sempre atentas e precisando se defender. Para Emy, o preconceito, principalmente a transfobia, está se reformulando com relação à população trans e travesti a partir do momento em que essa parcela da sociedade começa a conquistar espaços de destaque e não os que de certa maneira “são impostos”. A gente tem enfrentado uma transfobia um pouco mais inteligente, invisível aos olhos das pessoas, e faz parte também de um adoecimento da nossa população, para que a gente não ocupe os espaços e que a gente adoeça e continue apenas ocupando a marginalidade”, reflete a professora.  

  Para a professora, que relata ter passado por outros tipos de preconceito em espaços diferentes onde atuou profissionalmente antes da educação, a estrutura que a sociedade tem é transfóbica e não dá conta de ter profissionais capacitadas sendo remuneradas dignamente pelo seu trabalho, que não esteja em um padrão, de uma norma. Segundo Emy, profissionais que fogem disso, constantemente estão sendo atacadas, diminuídas, invisibilizadas pelo seu trabalho, pelo seu empenho, naquilo que fazem. 

  Diante do processo que está movendo para o parlamentar se retratar por sua fala preconceituosa e de insuflar a transfobia, Emy está impossibilitada de comentar como segue esse assunto junto ao judiciário, porque há um segredo de Justiça. As  ofensas que sofreu por parte do deputado Catan, contudo, mexeram muito com o emocional da professora. “Me deixaram extremamente amedrontada, porque a gente vê uma onda de ataques muito perversos contra as populações historicamente vulnerabilizadas, e eu fiquei com medo porque não sei até que ponto essas pessoas que estavam me ameaçando poderiam fazer alguma coisa levadas também por uma falsa moralidade e fatos tendenciosos e mentirosos que foram distribuídos pela extrema-direita a partir do partido desses parlamentares. Eu não sei até que ponto essas pessoas são capazes de atentar contra a vida de outra pessoa. Não através de ameaças, mas fisicamente também”, desabafa Emy.  

O prejuízo de ter o emocional abalado em meio a tanto preconceito.

  Ser vítima de preconceito é sempre algo muito traumático e, no caso da educadora, que teve sua intimidade profissional levada ao plenário e exposta da maneira mais humilhante, com direito a discurso de ódio, revela o perigo de ser uma pessoa trans no Brasil. Apesar de as leis garantirem que o preconceito é um crime no mesmo patamar do crime de racismo, o ocorrido fez com que a vítima do parlamentar mudasse seu dia a dia. “Minha rotina mudou, tive que frequentar novamente o psiquiatra, buscar meus direitos, ir atrás de polícia, na delegacia, de advogado, acabei não dando conta dos projetos que estava envolvida fora da escola. Tive que me afastar da escola por um tempo para cuidar da minha saúde mental. Todos esses desgastes que me geraram e mudaram constantemente a minha rotina e a cada novo ataque e ameaça, estavam indo contra o que eu sou. De uma forma, isso mexeu muito comigo”, explica a professora.  

Para Emy Santos, é difícil imaginar um Brasil sem preconceito porque, para a professora, o preconceito é a base para que o sistema continue do jeito que ele está. Quem está em cima continua e quem está embaixo continua embaixo. “Essas questões sociais, tanto partindo da identidade de gênero quanto da orientação sexual das pessoas, inclusive a etnia racial, fazem parte de um processo histórico que demonstra quais são as pessoas dignas de serem bem-sucedidas, quais são as pessoas dignas de terem acesso e de conseguirem estar em determinados espaços de poder, mudando a situação que está no Brasil. Mudando por meio de leis de políticas públicas, de acesso, inclusive de cotas, para que seja menos injusto. Acredito que não exista um Brasil sem preconceito porque o preconceito, ele que continua reafirmando os lugares onde as pessoas devem estar para que o sistema continue funcionando dessa forma, massacrando pessoas que não estão dentro de uma norma ou uma expectativa, cis heteronormativo,” conclui.

  122 pessoas trans assassinadas no Brasil em 2024  

  Os dados da 8ª edição do Dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras, lançado em janeiro deste ano pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), apontam que no ano de 2024, 122 pessoas trans e travestis foram assassinadas no Brasil. O número representa uma redução de 16% em relação ao ano de 2023. Assim, o Brasil segue, pelo 17º ano consecutivo, como o país que mais mata pessoas trans no mundo. 

  Em seu documento, a autora alerta para uma grande subnotificação em relação à morte de pessoas trans, o que dificulta o monitoramento de casos de violência LGBTfóbica. A entidade alerta, ainda, que 117 das pessoas trans assassinadas em 2024 eram mulheres trans e travestis e cinco eram homens trans. Diante desse quadro, onde há certa ausência de informação por parte do Estado, a principal fonte (89%) dos dados reunidos no documento foi a mídia. Outra parte foi coletada a partir de informações governamentais, como o Disque 100, órgãos de segurança pública e da justiça, ativistas de instituições de direitos humanos, publicações em redes sociais e relatos testemunhais.

Um crime que não pode ser levado aos tribunais  

  A homofobia é um crime que consiste na rejeição ou aversão a pessoas LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais).  É considerada uma violação dos direitos humanos e um crime de ódio. Em caso de uma pessoa presenciar um ato de preconceito dessa natureza, deve buscar ajuda e registrar queixa. 

  • Em caso de flagrante, ligue para o 190.
  • Ligue para o 100 a qualquer hora;
  • Abra um boletim de ocorrência em qualquer delegacia ou em delegacias especializadas;
  • Grave áudios ou vídeos no momento da realização do crime;
  • Guarde mensagens de aplicativos de comunicação;
  • Tire um print da tela do celular ou do computador.

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A difícil arte de ser professora numa sociedade cada vez mais transfóbica

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